RAIVA

ACRILICO SOBRE TELA DE ALGODÃO 30/50 cm

NOVEMBRO DE 2024

Trecho de «A BATALHA SEM FIM» – Aquilino Ribeiro

Publicado na edição 1526 de Círculo dos Leitores pág: 186

"Alçara um remo da bateira com a limpeza com que ele pegava da bengala para se encostar, e reduzira a grude o crânio do mestre. Manápulas assim imensas e espatuladas nunca vira. Metiam medo. Predestinadas ao crime, por certo; afeiçoadas, ainda, a domar a vaga como os pés dos albatrozes. Condiziam com o arcaboiço e cabeçorra afrontada e redonda, entre toiro e rochedo. Pobre fera, uma vez nas garras da justiça entregara-se mais submissamente que um borrego à tosquia. Nem denegações, nem subterfúgios. Investira com o Vermoil como contra um mar alteroso. Ali se mostrava impermeável ao remorso, impermeável até em sua natureza ao ar mefítico do calaboiço, mais fixa que pano de rás a sua tez, curtida pelos sincelos e as geadas. O crime passara sem lhe deixar ganga na consciência, inapta a sofrer a menor filtragem da moral e da religião. Um homem de há milhentos anos, anterior a Cristo. Perigoso, soberanamente perigoso, porque só tinha a rédea da natureza a governar-lhe o instinto. Eram estes, trabalhados pela ambição de se resgatarem da lei da miséria, os soldados futuros do bolchevismo, os que em sonhos esvaziavam as suas cubas e rilhavam a febra dos seus leitões. Olho neles! Os outros, aquele Passafome com fácies tão hirsuta e encarquilhada que dir-se-ia a caricatura da mofina, aquele Afonso Penela com a íris a faiscar no remoto das órbitas, eram produtos genuínos destes tempos sem rei nem roque, comparsas levados como palhas na refega de fúria do Lavagante."

Rui

Novembro de 2024