FOME E DESESPERO

ACRÍLICO E ÓLEO SOBRE TELA DE ALGODÃO 60/150 cm.

FOME E DESESPERO

«O que interessa aos dominadores é senhorear os homens, e não directamente o chão que pisam»

"António Sérgio em Introdução Geográfico-Sociológica à História de Portugal"

Personagens de pretensa individualidade anónima a fugirem dum presente sem futuro, gente sem rosto nem nome, identificados pelas suas aptidões ou origem geográfica, pessoas a procurar sobreviver à inevitabilidade da tradição em viver calados pelas carências; são singulares, famílias, pequenos grupos ou ranchos que migraram na sua terra em busca da preservação da sua existência em sítios que acreditavam promissores.

«camponeses, pastores, moleiros, almocreves, pescadores e gente de outros ofícios»

"Orlando Ribeiro em Portugal – o Mediterrâneo e o Atlântico –"

Conhecidos por «Algarvios», «Avieiros», «Bimbos», «Caramelos», «Gaibéus», «Ílhavos», «Murtoseiros», «Penicheiros», «Ratinhos», «Saquênhos», «Serranos» ou «Varinos», foram migrantes com particularidades profusamente relatadas na literatura portuguesa que, limitados ao tempo de poucas gerações, tiveram, na maioria dos casos, uma muito difícil existência.

São históricos protagonistas da fome, do desespero existencial, mutilados da ideia de futuro, explorados por outros humanos, transfigurados pela evolução industrial e emigração; escravos encapotados que este tempo, por vezes, pretende mascarar, em montra falaciosa, com vestes de "livre opção de vida" e se desvergonha ao rememorá-los fora das circunstâncias fundamentais que condicionaram a sua curta duração: o desespero de ser sem vislumbre aconchegador!

Aos grupos elencados e a outros análogos menos divulgados, por dimensão numérica pouco expressiva, todos compostos também por obstinadas personalidades lutadoras, aqui erijo uma estátua imaterial à sua sacrificada vivencia.

«Ah, aquele não era da raça dos patrões que apenas têm olhos para a lota e tanto engadanham a mão sobre a ganhuça que enterram as mãos na carne!»

«…ei-los que partiam, um pouco à aventura, moinar, lazarar pelas portas das terras fartas, ou recorrer a ofício que os sustentasse e à cáfila.»

"Aquilino Ribeiro em A Batalha Sem Fim"

Rui

Fevereiro 2024